Estás numa esplanada. Aguças o ouvido para a mesa do lado esquerdo. Sem olhar viras a orelha para o casa do lado direito. Ao longe sentes alguém a contar o que se passou ontem à noite. Hesitas o que sintonizar.
Por momento sentes a cacofonia. Esta-la-pa-re-del-gil-da-pa. Como se apanhasses uma silaba de cada mesa.
Primeiro estranhas, depois deixas-te ir. Sentes um groove, sincopado.
Não te podes esforçar. Tens que sintonizar e ir no flow. Uma mistura de conversas, sotaques, histórias e personagens. Primeiro soa a ruído. Mas chega a um ponto de harmonização mágico. Parece um rap progressista. Com beat box. Ou beat rap ou rap box.
Se me pedissem: “Escolhe um super-poder mas não o podes utilizar para ser herói ou para salvar o mundo”. Muitos escolheriam voar – mergulhar no céu e sentir o cume da liberdade. Engraçado, mas acho que me ia fartar. É como brincar sozinho num parque infantil, a liberdade primeiro entusiasma-nos depois desfaz-se em solidão e tristeza.
Um super-poder muito mais interessante era poder ouvir as conversas da mesa ao lado, ou da mesa do fundo. Sem perturbar, entrar naquelas vidas, naquelas conversas, sem intervir, só espreitar, escutar.
Que vidas tem aquela gente. Somos todos iguais ou todos diferentes.
Lá no fundo somos todos iguais, com os mesmos medos e desejos. A superficialidade é muito mais interessante.
Somos todos inseguros, isso é obvio e previsível. O que é interessante é saber como se isso se revela, como surge na vida de cada um e quais a histórias e as crenças por traz dessa insegurança. É tipo uma analise invertida – já sabemos que és inseguro, agora diz-me as historias onde essa insegurança é protagonista.
Na mesa do fundo ela está insegura porque desde o divorcio, não sabe se consegue amar mais alguém.
À direita a conversa está à tona, eles armam-se das suas façanhas, inconscientes das suas inseguranças transvestidas de troféus.
À esquerda ele tem um problema no trabalho. Sente-se injustiçado e incompreendido. Queixa-se. Deixa-se.
Desligo. Ainda aparece alguém que me empurra para o poço da vergonha – “Get a Life!”