Acordo inconsciente.
Um silvar de água a correr pelos canos entra-me na cabeça.
Com os olhos ainda fechados, tento descortinar de onde vem. Um autoclismo a encher, uma torneira aberta por trás da parede.
O som acorda uma dor de cabeça. Cerro o sobrolho. Hesito em abrir os olhos. Por entre as pálpebras percebo que não está escuro. Há sombras e raios de luz que entram e dançam.
Procrastino o momento de encarar a realidade. Quero virar-lhe as costas. Viro-me na cama.
É então que um desconforto agudo sobe pelo braço esquerdo. A mão direita apalpa e procura a dor. Sinto algo pegajoso mas seco. A mão é repelida com asco. Não consigo precisar. Os olhos recusam-se a abrir. A mão ganha coragem e avança agora com mais cautela. Sinto um plástico, uma película aderente, que está enrolada no antebraço.
Não faço ideia de onde vem nem por que está enrolada no braço. A estranheza é suficiente para que os olhos descolem. Queria adiar o momento, mas aquela coisa no braço força-me a encarar a luz.
Começo a desenrolar a película que envolve o braço. Com um esgar, tomo de novo consciência da dor aguda. Continuo a desenrolar cuidadosamente, descolando o plástico peganhento, volta após volta.
Sinto um calafrio e um aperto no estômago.
Os olhos preguiçosos abrem-se num salto. Vejo-a. Tapo-a. O corpo reage antes de eu conseguir pensar. Espreito de novo. Tapo-a mais uma vez. Não acredito no que estou a ver. Uma tatuagem apareceu no meu braço. É essa coisa que se esconde por trás daquele plástico peganhento. Não é possível! Como é que isto aconteceu? Não procuro a resposta, só imploro que seja um pesadelo.
Aperto o braço. Sinto dor. Aperto mais. E mais. Dor é a única coisa que quero sentir.
Enquanto encaro esta visão que me parece irreal, ouço uma voz suave, rouca e firme:
“É tua. Agora ama-a como uma filha”
Não fazia ideia de quem falava e muito menos percebia o que dizia.
PS: este texto é parte integrante de um projecto de ficção com o nome provisório "FDS"