meta-prefácio

(ou prefácio ao Livro dos Prefácios)

Nunca li prefácios. Raramente, vá. Sempre me irritaram.

O prefácio fica entre a nossa intenção de ler o livro e o livro em si.

Se é escrito pelo próprio, é inadmissível. Quer explicar-se? Ou explicar-nos ao que vem? Quer desculpar-se? Ou subir ao púlpito para apresentar a obra?

Se é escrito por outro, é ainda mais irritante. Alguém que se interpõe entre mim e o autor que escolhi ler. Como se atreve?

Não sei quem o convidou, nem tampouco porquê. O que é que a obra precisava para precisar de prefácio? Uma ajudinha? Um endosso? Uma explicação, talvez?

Podemos saltar o dito, mas isso soa-me, e sabe-me, a transgressão. Eu sei que não devia. Mas, lá bem no fundo, todos aprendemos a ler um livro de fio a pavio. Ou fui só eu que senti essa pressão freudiana de não deixar livros a meio, nem os sublinhar, nem os anotar?
O livro é sagrado, logo, tem de ser respeitado e apreciado de forma imaculada. Como se não fosse desflorado, como se ler fosse um ato platónico.

Se o prefácio dá contexto, uma introdução, orientação ou mapa, é um remendo. Se o livro precisa disso, por que não coube no livro? Foi um remendo a posteriori? O pré-fácio escreve-se post factum?

Li algures que o prefácio — sim, há quem escreva sobre os ditos — motiva o leitor para a leitura do livro. Fico pasmado. Já comprei ou arranjei o livro, já me dispus a lê-lo, arranjei o tempo e o espaço para o fazer. Sento-me, reclino-me, respiro e abro o livro. E alguém achou que é nesse preciso momento que eu precisava de motivação?

Se for para isso, sugiro que coloquem as suas palavras mágicas de motivação num panfleto de promoção ou na contracapa.
Essa magia também podia dar jeito a meio, quando já perdi o fôlego e estou perdido porque já não sei se a Felismina é a sogra ou a empregada. Fazíamos uma pausa, um interlúdio, e o meio-fácio dava-me alento, resumia o percurso e abria-me a porta para o clímax que se avizinha.

Por esta altura, alguns estarão já a pensar noutros “pré”, a tentar fazer analogias ou piadolas de gosto duvidoso. Mas vamos a isso. Quem se sinta tentado a comparar o prefácio com os preliminares é porque já não se lembra… de ler prefácios.

Como veem, tenho uma relação difícil com os ditos.

E resolvi, com abertura, coragem, entrega e servidão à cultura, fazer a única coisa que me (nos) pode salvar: escrever um livro de prefácios.

E já que vamos tão destemidos e embalados, declaro desde já: este é o prefácio ao Livro dos Prefácios.

PS1: Este prefácio insere-se na categoria dos prefácios de autor, que podem ser uma autocrítica ou, melhor, uma reflexão sobre o porquê, o como e demais pormenores do processo de conceção da obra.

PS2: Espera… se é uma reflexão, por que é que é um pré e não um pós? Ai! Não sei. Falemos disso mais tarde, talvez no pós-fácio.


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